No último dia 19 de outubro, comemoramos o dia nacional da inovação. Em um cenário de crise e extrema incerteza, a necessidade de explorar novas ideias e transformá-las em novos negócios parece ser um caminho natural para um povo criativo e empreendedor como o brasileiro.
Em tempos tão difíceis de pandemia, as empresas nascentes, as startups, estão impulsionando a inovação em diversos mercados. Setores nos quais o Brasil já é referência global, como serviços financeiros, agronegócio e varejo, ganham destaque, mas a transformação não para por aí. Outros setores como saúde, construção, imobiliário, mobilidade urbana e segurança também já trazem o sufixo tech para caracterizar novas referências inovadoras: são mais de 15 mil startups no país.
O crescimento desse ecossistema é impulsionado pelo aumento dos investimentos em Venture Capital. Nesta modalidade, os investidores, além de aporte de capital para ajudar os empreendedores a crescer, oferecem apoio na gestão do negócio, a fim de criar valor para uma eventual venda da participação na empresa.
Até setembro deste ano, foram investidos mais de US$2,2 bilhões, um volume quase dez vezes maior que em 2016. Mesmo com a pandemia, os investimentos este ano devem alcançar os US$3 bilhões.
Apesar de boa parte desses recursos estarem concentrados em São Paulo, empreendedores brasilienses captaram montantes expressivos com investidores anjos e fundos de Venture Capital durante a pandemia. A Origem Motos, fabricante de motos elétricas adaptadas à realidade do motoboy brasileiro, recebeu mais de R$5 milhões para ganhar escala de produção made in Brasília. A Configr, com um robô que faz gestão de hospedagem em nuvem, recebeu R$4 milhões para expandir ainda mais o uso dessa tecnologia para pequenas e médias empresas. A Ribon, com app para facilitar a experiência de doação para causas sociais, captou mais de R$3 milhões e agora ajuda ONGs e causas nacionais na obtenção de mais recursos. A Noknox, plataforma que conecta moradores aos síndicos, porteiros e prestadores de serviços, recebeu aporte de R$1 milhão de reais.. Os exemplos aumentam em todo o país mas ainda temos espaço para muito mais.
O fluxo de investimento em empresas, startups ou não, cresce motivado pela redução na taxa básica de juros, a Selic. Em 2016, a Selic era de 14,25% a.a., atualmente a taxa é de 2% a.a. Como comparação, o número de investidores PF na bolsa de valores no final de 2016 era de pouco mais de 560 mil, hoje já superamos a marca de 3 milhões, com total de R$374 bilhões de reais em ativos. Os rendimentos tradicionais em renda fixa já não têm a mesma atratividade de antes e aumenta a procura por mais rentabilidade e diversificação.
Os investidores brasileiros estão relativamente seguros e familiarizados com instrumentos mais tradicionais como poupança, fundos de investimento, debêntures e ações. O volume de recursos em renda fixa no Brasil é estimado em R$ 7 tilhões e, somente na poupança, o valor é de R$1 trilhão. Entretanto, apesar dos enormes potenciais de ganho, esses investidores ainda não se sentem seguros para investir em startups e um dos principais motivos é a sensação de insegurança jurídica quanto aos contratos utilizados e o receio de vir a ter que responder com seu próprio patrimônio por dívidas das empresas em que investiram.
Esse cenário tem tudo pra ser modificado com o projeto de Marco Legal das Startups, enviado pela Presidência ao Congresso, exatamente no dia nacional da inovação. Após diversas audiências públicas com participação do ecossistema das startups, o projeto trouxe importantes avanços, principalmente no sentido de destravar o capital para o mercado de inovação e trazer segurança ao investidor que fomentará o mercado, em busca de ganhos exponenciais.
O projeto reforçou como princípio o reconhecimento e o fomento ao empreendedorismo inovador e procurou trazer medidas concretas para dar segurança ao investidor. Uma delas foi enumerar diversos instrumentos jurídicos aptos a viabilizar o investimento em startups. Atualizou e melhorou a chamada Lei do Investidor Anjo (Lei Complementar 155/2016), aproximando-a das práticas do mercado.
Em oposição ao que foi feito com a Lei do Investidor Anjo, agora, o governo ouviu os anseios do mercado e referendou o contrato mais utilizado, mencionando-o expressamente, o mútuo conversível em participação societária, instrumento jurídico que possibilita ao investidor fazer seu aporte em forma de empréstimo e decidir, no futuro, se converterá esse empréstimo em participação societária ou não.
Talvez a mais importante medida tenha sido a de reforçar o comando legal de que os investidores não responderão por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial e não serão alvos da desconsideração da personalidade jurídica, instituto processual através do qual é possível atingir patrimônio pessoal dos sócios, em caso de dívidas da empresa.
Por fim e atento à necessidade de se ter grande influxo de capital para que o mercado de inovação brasileiro possa ser pujante, a proposta legislativa trouxe a possibilidade de que empresas obrigadas, por lei, a investirem em pesquisa e desenvolvimento, possam fazer tal investimento através de Fundos de Investimento em Participações (FIP) que apliquem em startups.
Diante do atual cenário, ter empreendedores e investidores compartilhando a mesma jornada e com a balança de riscos mais equilibrada em função de uma boa base legal vai fortalecer a criação de valor, transformar diversos ecossistemas e proporcionar um ambiente adequado para que as novas startups possam surgir, captar, crescer e impactar positivamente o dia dia de mais pessoas. A proposta de Marco Legal mostrou o quanto é importante o poder público e o setor privado trabalharem em conjunto para encontrar as nuances e endereçar diferentes percepções no intuito de destravar o capital potencial para o empreendedorismo inovador e remunerar o investidor com segurança.
*André Fróes, CEO da Cotidiano Aceleradora de Startups, Conselheiro de Startups e Consultor Especializado em Fundos de Venture Capital, e Saulo Michiles, Diretor Jurídico da Cotidiano Aceleradora de Startups, Sócio da Michiles e Tavares Advocacia, Professor de Direito de Startups, Membro da Comissão de Direito Digital da OAB-DF e Economista