Sem delongas: Cônjuges casados sob o regime da comunhão parcial de bens podem sim ser sócios entre si.
Portanto, se você tem como sócio seu cônjuge, garanto que esse artigo vai te ajudar muito a evitar enormes problemas societários e conjugais.
Mas se prefere ir direto ao ponto, sem rodeios, destaca-se abaixo um breve resumo dos 6 principais problemas e suas soluções, nas sociedades onde os sócios são casados:
1º Passo – Definir, expressamente, colocando no papel, a função de cada um com o maior nível de detalhes possível, fazendo as vias de um Acordo de Sócios. Todos devem assinar, inclusive a empresa por meio de seu administrador;
2º Passo – Definir valor do pró-labore para o sócio que efetivamente trabalhará na empresa (incide contribuição previdenciária e imposto de renda), ficando o restante como distribuição de lucros (isento de imposto de renda);
3º Passo – Indicar, expressamente, no contrato social a possibilidade de distribuição antecipada dos resultados, possibilitando a retirada mensal de dividendos;
4º Passo – Adicionar no contrato social regra de distribuição desproporcional de resultados, possibilitando que um sócio receba valores desalinhados de sua participação social, seja para mais ou para menos, fortalecendo regras e metas onde cada um contribui individualmente para o sucesso dos negócios;
5º Passo – Formalizar, no contrato social, regras de sucessão ou providências em caso de divórcio, indicando como se dará a apuração de haveres ou se haverá o ingresso de sucessores na sociedade;
6º Passo – Em caso de sociedade cuja participação de cada cônjuge seja de 50%, é importante consolidar regras de desempate.
Agora, se há interesse em conhecer um pouco mais dos detalhes de cada um dos itens acima, continue por aqui.
Hoje, no Brasil, existem mais de 20 milhões de empresas e, entre elas, mais de 4 milhões são sociedades do tipo limitadas (LTDA).
Lembra quando disse que os sócios de LTDAs podem ser casados entre si? Então… Agora digo um pouco mais: o regime do casamento vai impactar diretamente nessa possibilidade, pois há exceção.
Quando o regime do casamento é o da separação obrigatória de bens, prevista no art. 1.641 do código civil, ou o da comunhão universal de bens (art. 1.667), os cônjuges não podem ser sócios por expressa vedação legal, conforme regra do art. 977 do código civil.
Nas sociedades por ações (S.A.), não há restrição e os cônjuges podem ser acionistas da mesma companhia.
Falando especificamente da LTDA, por ser a grande maioria das sociedades no Brasil, ao estabelecer sociedade entre cônjuges, é preciso adotar alguns cuidados visando a boa convivência, preservar o casamento e, principalmente, a saúde da empresa.
De todos os conflitos societários que lidamos aqui na Michiles Tavares Advocacia, a grande maioria poderia, facilmente, ter sido evitada adotando os seis passos sugeridos neste texto.
Mas antes é preciso quebrar alguns paradigmas das LTDAs. E um deles versa sobre a obrigação ou não do sócio trabalhar na empresa. Explica-se: sócio de LTDA não é obrigado a trabalhar na própria empresa. Quem deve, por regra legal, trabalhar, é o administrador.
É exatamente isso! Sócio de LTDA não é obrigado, pela simples razão de ser sócio, a trabalhar na própria empresa e isso não poderá impactar, via de regra, na distribuição dos lucros. Ou seja, o sócio que não trabalha deverá, obrigatoriamente, receber a distribuição dos lucros normalmente.
Se a regra for para que um, dois ou mais sócios trabalhem na própria empresa, deverá constar do Acordo de Quotistas.
Essa diferenciação entre sócio e administrador é bem importante. Mas vale ressaltar que existe a possibilidade do sócio também ser administrador.
São, portanto, duas funções na LTDA: (i) do administrador que exerce alguma atividade na empresa, ou seja, tem um labor e fala em nome da sociedade; e (ii) do sócio que exerce essa condição pelo aporte no capital social e participação nas deliberações.
A remuneração de ambos é completamente diferente, ainda que o(s) sócio(s) figurem, ao mesmo tempo, na condição de administrador e sócio, cada função tem sua remuneração específica.
No primeiro caso, quando se fala de sócio que tem função prevista no contrato social como qualidade de administrador, sua remuneração se denomina pró-labore.
Já o sócio que apenas aportou capital social e participa das deliberações (reuniões ou assembleias), recebe por participação nos resultados, que, a grosso modo, é sinônimo de distribuição dos lucros ou dividendos.
Quando o sócio também exerce a função de administrador, recebe duas remunerações, sendo uma pelo cargo de administrador e a outra por ser sócio.
Portanto, lucro (ou dividendo) não é pró-labore e pró-labore não é lucro (ou dividendo). Cada um tem sua função. Desvirtuar essa regra aumenta o risco de autuação por fraude fiscal e de haver brigas entre os sócios.
Esclarecido tal ponto, o PRIMEIRO PASSO para uma excelente condução da sociedade entre cônjuges é a definição clara de quem vai efetivamente trabalhar e quem vai apenas participar dos resultados e das deliberações.
Essa definição deve levar em consideração as regras de pró-labore e de dividendos. E é extremamente recomendável formalizar tais regras.
Tal formalização pode ser feita no contrato social ou – minha preferência – no acordo de quotistas. Mas, ainda que não exista uma assessoria profissional para construção de tal acordo, recomenda-se formalizar e, ao final, colher a assinatura de todos, inclusive do administrador em nome da empresa.
A função do papel é relembrar a existência do acordo. Na hipótese de algum questionamento ou dúvida, recorre-se ao escrito para fortalecer o combinado e, se for o caso, ser levado à execução específica, desde que, claro, feito de acordo com os requisitos legais.
A formalização é um dos principais fatores de harmonia social e conjugal, principalmente na sociedade entre cônjuges.
O SEGUNDO PASSO é a forma de pagamento do pró-labore e como se dará a distribuição dos lucros, diferenciando um do outro de forma clara.
Sendo o pró-labore pagamento decorrente do trabalho, sua periodicidade é mensal. E sobre ele incide imposto de renda e contribuição previdenciária.
Já na distribuição dos resultados não há, para o sócio, qualquer tributação. Ele é isento de imposto de renda.
Portanto, quando o administrador também é sócio, é importante definir adequadamente o valor do pró-labore, considerando os custos tributários e enquadrando-o na dinâmica financeira da sociedade.
Embora comumente se coloca o valor de 1 (um) salário mínimo a título de pró-labore e o restante como distribuição de resultado, a Receita Federal tem entendido que essa regra configura, a depender do caso, fraude fiscal. Caso isso ocorra, haverá tributação sobre o saldo pago a título de distribuição de resultado, que pode ser acrescido de multa, juros e correção, tornando-se totalmente desinteressante.
Uma sugestão para evitar tal risco é colocar o pró-labore de acordo com o valor médio do mercado para a função exercida. O restante, por óbvio, pode ser distribuído a título de lucros, isento de imposto de renda.
O TERCEIRO PASSO bem importante é a indicação, no contrato social, da possibilidade de distribuição antecipada dos resultados, abrindo espaço para o sócio receber os resultados mês a mês.
A distribuição antecipada é exceção e demanda alguns cuidados. Um deles é não distribuir em excesso, gerando a hipótese de resultado inferior apurado ao final do exercício.
Ou seja, se distribuiu valores acima dos resultados apurados, os sócios se obrigam a restituir, em favor da sociedade, o saldo excedido.
Um QUARTO PASSO é a indicação, também por contrato social, da possibilidade de distribuição desproporcional de resultados. Com essa indicação é possível que o sócio receba resultados de forma desproporcional a sua participação no capital social.
Exemplo: Sócio com 40% do capital social deveria, em regra, receber 40% dos resultados. Mas com a indicação expressa da possibilidade de distribuição desproporcional dos resultados, essa proporcionalidade não precisa ser exata. É possível, portanto, um sócio deter 40% do capital social e receber acima ou abaixo de 40% dos resultados.
É bem importante formalizar a razão da desproporcionalidade por ata de deliberação social. Isso evita o risco de interpretação do FISCO sobre uma possível burla das regras fiscais.
O QUINTO PASSO é a indicação expressa das regras em caso de falecimento de um dos cônjuges ou o divórcio.
Vale lembrar que a LTDA é uma sociedade contratual que enaltece aquilo que consta do contrato social. Essa variável ficou ainda mais evidente com a lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), reforçando a liberdade contratual, possibilitando às partes estabelecer regras bem abertas, desde que não violem normas cogentes ou de ordem pública.
E levando em consideração a liberdade conferida pela lei, é importante regulamentar como ficará a situação conjugal e da sociedade em caso de falecimento do sócio ou divórcio.
Os modelos de contratos sociais fornecidos pelas Juntas Comerciais do Brasil indicam, comumente, que em caso de falecimento, os sucessores tomarão o lugar do falecido na sociedade. Ou seja, passam a ser sócios aqueles que tiverem na ordem de vocação hereditária.
Se esse não for o seu desejo, torne-o expresso no contrato social.
As sociedades limitadas são extremamente sensíveis a conflitos societários e perdem muito na ocorrência de um. Essa operação de sucessão é sempre um foco importante para o fomento do conflito, que deve ser evitado.
Uma das principais formas de evitar o conflito na hipótese de sucessão é a previsão expressa sobre a aceitação ou não dos sucessores em caso de falecimento e, se for o caso, a forma de apuração dos haveres.
Ou seja, se o(s) sucessor(es) não for(em) ingressar no quadro societário, as quotas do falecido precisam ser liquidadas para que o valor correspondente seja repassado para eles.
A apuração dos haveres é a forma de precificar as quotas do falecido para que o correspondente em dinheiro seja pago aos sucessores.
O contrato deverá indicar como vai ocorrer o pagamento dos haveres, se em parcelas, à vista e em qual prazo, pois, se não fizer, pela regra do Art. 1.031, §2º do Código Civil, o pagamento deverá ocorrer, à vista, em até 90 dias.
Outra formalização importante é a indicação expressa, em contrato social, sobre a metodologia aplicável na apuração de haveres, se por balanço de determinação, fluxo de caixa descontado, múltiplo do ebitda, se vai ou não incluir projeção futura de resultado etc.
Essas informações, quando expressamente previstas, eliminam um grande foco de conflitos. A maioria dos conflitos societários tem por base a falta de tais informações.
Na prática, cônjuges casados no regime da comunhão parcial de bens já são detentores de metade do acervo conquistado durante o casamento, incluindo, se for o caso, as quotas sociais.
Mas quando ambos são titulares de quotas de sociedade, definir quem fica e quem sai em caso de divórcio é uma das principais ferramentas de solução do conflito. A não ser que o cenário de ter um ex-cônjuge como sócio seja interessante, o que também é possível. O importante é formalizar o desejo.
O SEXTO e último PASSO vai para as sociedades onde os sócios, cônjuges, possuem, cada um, 50% do capital social.
Com a recente atualização do Código Civil promovida pela lei 14.451/2022, tornou-se regra a tomada de decisão por maioria do capital social. Ou seja, o detentor de 50% mais uma quota é quem controla a sociedade.
Em uma sociedade onde cada um possui 50% do capital social, o risco de empate é grande e, se acontecer, trava a empresa.
É bem importante colocar regras de destravamento, como quotas preferenciais, direito de veto, quórum acima do legal, voto plural etc, especialmente por temas específicos. Neste último caso um dos sócios terá mais poder que o outro em assuntos específicos.
Um exemplo bem interessante é utilizar critérios temáticos, onde, por exemplo, o sócio responsável pelo financeiro tem mais poder nas deliberações do financeiro. Enquanto o sócio responsável pelo comercial tem preponderância das deliberações do comercial. A criatividade é o limite.
São inúmeras regras que destravam as deliberações, mas todas, para que possam valer, precisam constar expressamente do contrato social ou do acordo de sócios.
Estabelecendo tais regras, há garantia que a relação societária e conjugal estará bem mais protegida e segura se comparada à hipótese de ausência de regramentos.
Regras societárias claras refletem diretamente nos negócios e no casamento. Nosso desejo, portanto, é que ambos prosperem.
Leonardo Tavares Chaves
Advogado
Sócio fundador da Michiles Tavares Advocacia Empresarial